DESAFIOS A SEREM ENFRENTADOS PARA A MAIOR UTILIZAÇÃO DAS PPP

Saulo Krichanã

Com a divulgação dos dados sobre os investimentos nos portos e aeroportos, o déficit visível de infraestrutura econômica no país deve atingir perto dos R$ 300 bilhões (somado ao R$ 133 bilhões demandados para estradas e ferrovias).

Se computada a este montante a demanda pelo atendimento das carências reprimidas da infraestrutura social e urbana – nas áreas de saúde, educação, saneamento, sistema viário, meio ambiente, tratamento de resíduos e outros –, a demanda por certo seria equivalente ao PIB do país.

Na verdade muito mais, se incluídas na conta os investimentos dos grandes eventos internacionais já agendados ou aqueles que ainda podem fazer parte do calendário dos grandes eventos internacionais – como a Exposição Internacional em São Paulo (a Expo 2020) –, cada vez mais prováveis na medida em que o país se tornou uma alternativa consistente, até pelo aprofundamento da crise nos países que até então se revezavam na promoção desses eventos.

Se os decantados “choques externos adversos”, de demanda ou oferta, até então tinham mudado sua inflexão historicamente negativa e ajudado sobremaneira a formação de superávits comerciais e a acumulação de reservas internacionais em patamares até então impensáveis para os padrões da economia brasileira através de várias décadas (perdidas ou não), não deixa de ser irônico ou intrigante que o que se poderia chamar da “idade de ouro” para a expansão das concessões plenas, administrativas ou patrocinadas encontre a economia nacional num ponto de inflexão que vale a pena refletir.

Primeiro, porque é sempre importante recordar que não existe chance de as PPP prosperarem sem que os entes públicos dos três níveis de governo apresentem uma situação fiscal equilibrada (ou pelo menos tendente ao equilíbrio) no médio e no longo prazo.

Embora óbvio este requisito é quase sempre sublimado nas várias “pontas” dos esforços de estruturação de operações de PPP: em primeiro lugar, pelos próprios interessados (todos eles) em fomentar ou propor a realização de várias operações nestas modalidades, baseados apenas no enquadramento contábil da capacidade dos entes federados em assumir riscos de contraprestações futuras com base no limite de endividamento dos 5% da sua receita corrente líquida apurada no exercício fiscal do ano anterior.

Para os ordenadores de despesa que devem contratar as obrigações fiscais vincendas decorrentes das operações de PPP administrativas e patrocinadas, o dilema é consistir o “enquadramento contábil” com o perfil de “geração de poupança fiscal” de seu “resultado primário de caixa” (o equivalente ao EBITDA dos projetos de investimento privados), proveniente do resultado obtido da diferença entre o que se arrecada por meio de suas receitas primárias (impostos da respectiva esfera ou competência de governo e eventuais rebatimentos de cotas partes constitucionais) cotejada com suas despesas de ordem estritamente operacionais (advindas da sua atividade básica e indelegável de governar: as tais despesas da “máquina” de governo).

Quando a geração de caixa é insuficiente, pode-se recorrer à captação de recursos de terceiros de origem não fiscal, pela via do crédito ou da colocação de ativos mobiliários, numa decisão “externa” à geração de caixa primária – quando há margem operacional, fiscal ou institucional para tanto para novos endividamentos por parte do setor público.

Esta possibilidade é, como se sabe, condicionada pela execução da Lei de Responsabilidade Fiscal: dos 30 anos contratados para o repagamento das dívidas dos entes federados, já transcorreram 12 anos (40% do prazo incialmente pactuado). E com o comprometimento entre 11% a 13% de seu orçamento corrente indexado para servir à amortização da dívida pactuada, os eventuais resultados primários de caixa são onerados e restringidos, diminuindo o poder de alavancagem dos orçamentos primários pelo custo de carregamento de encargos de natureza “extra operacional”.

A ironia da situação é que quase ninguém se lembra de comparar o “Golden Age” das PPP na Europa com o esforço fiscal que os Estados de lá fizeram (ou deveriam ter feito…) para gerar lastro fiscal e monetário que associasse à sua moeda quase continental, o valor intrínseco que, por exemplo, sempre facultou aos estruturadores de PPP exigir do poder público maior garantia que não fosse o contrato de concessão, prescindindo de colateralizações (fundo garantidor) até porque, pela situação de caixa primária, as contraprestações aos projetos de concessão são pagas de forma corrente, ainda no decorrer da formação dos ativos, independendo de situações excepcionais (como os aportes tão ansiados pelos cultores MP 575).

Quem gerou poupança fiscal primária, como a Alemanha e a Grã Bretanha, financiou a formação de reservas internacionais e criou fundos soberanos líquidos com esta fonte de recursos. Quem não gerou poupança fiscal primária e se alavancou pela colocação de papéis, até para financiar a formação de reservas – como outros países que hoje estão insolventes –, onerou a geração operacional de caixa e comprometeu a recuperação das finanças por quase uma (próxima) geração.

Ademais, as PPP de lá – principalmente nas nossas modalidades administrativas e patrocinadas – não tinham que corrigir demandas reprimidas ou déficits de atendimento crônicos, como acontece nos diversos projetos atualmente desenvolvidos ou já licitados nessas áreas.

Mais intrigante ainda é verificar que os impactos sobre a formação de resultado primário dos entes públicos é (quando muito) preocupação secundária ou terciária dos projetos de PPP considerados. Ou que os formuladores desses projetos (o governo ou os formuladores privados que estruturam operações ou quem pretende ser concessionários das mesmas), ignorem outras formas de financiamento das intervenções postuladas, de forma a não onerar a capacidade futura de pagamento de contraprestações. Até pelas dificuldades de geração de caixa primária, já relevadas.

De outro lado, salta à vista o tamanho da alavancagem que seria demandada do setor privado nacional que quer investir ou quer participar das operações de PPP, tal como já colocado em outro artigo publicado no PPP Brasil, considerado o Patrimônio Líquido dos principais grupos operadores interessados em concessões de todo o tipo.

Ao mesmo tempo, mesmo com os atuais patamares mais civilizados de taxa de juros reais (e do custo dos recursos de dívida mobilizados pelo BNDES), não há custo operacional de operação de PPP inferior a 13% a 15% ao ano (em face de uma TIR REAL de projeto da ordem de 8% real ao ano), afora o custo de oportunidade dos recursos próprios (equity) mobilizado nas operações.

É urgente envolver o setor privado empresarial financeiro ou parafinanceiro ou do mercado de capitais e previdência no financiamento e no investimento dessas operações: principalmente daqueles segmentos onde a segurança do retorno, sua liquidez e (apenas em terceiro lugar) a sua rentabilidade é consistente com o perfil de base atuarial demandado pelos seus cotistas geradores de patrimônio de recursos.

A possibilidade de fazer equivaler as aplicações na compra de cotas de projetos de concessão de toda a ordem na mesma faixa hoje destinada à compra “quase compulsória” de papéis de governo, pouco atraentes face à SELIC e aos juros reais mais baixos, é outra medida capaz de fazer girar de forma contributiva à superação dos gargalos de infraestrutura, os mais de R$ 2 trilhões que hoje giram em falso no mercado de capitais dos diversos fundos de investimento e de previdência existentes no país.

Ou seja, medir a capacidade de geração de caixa primária dos entes públicos (e não apenas o conceito contábil dos 5% das RCL e a liquidez dos fundos e contas garantidoras de operação); avaliar impactos sobre a geração primária e operacional dos entes públicos dos projetos que estão no horizonte de avaliação dos projetos levados à participação do setor público; considerar o que pode ser feito por outras vias como as cessões onerosas de uso de ativos, securitização de dividas ativas; desmobilização de ativos com o sem reversão de uso e propriedades; direitos reais de uso, concessões urbanísticas e demais desenhos jurídicos alternativos para não sobrecarregar a capacidade fiscal dos entes públicos ao longo do tempo; e incluir novos atores do país e do exterior, de ação empresarial financeiro e do mercado de capitais e de previdência são elementos dinâmicos a serem incorporados para alargar as fronteiras de possibilidades para o financiamento de projetos de concessão.

Como podemos te ajudar?

Contate-nos no escritório Real Brasil mais próximo de você ou nos envie uma mensagem solicitando contato.

Conheça um pouco mais sobre a Real Brasil